A análise política trabalha com dois conceitos para interpretar fenômenos ligados aos protagonistas da política, sejam pessoas físicas ou jurídicas, políticos ou governos: identidade e imagem. O primeiro se refere à índole dos protagonistas, seu caráter, programas e ações, o que verdadeiramente representam; já a imagem é a projeção da identidade, significando a percepção que deles têm os cidadãos, a maneira como as pessoas vêem os integrantes da esfera política.
A identidade do Brasil, por exemplo, abriga um conjunto de elementos, dentre os quais o tamanho do território, suas riquezas naturais, a natureza de sua população, os ciclos históricos, as tradições e costumes, enfim, tudo que possa realçar o porte do país. Convido o leitor a construir na mente o mapa da identidade da Nação brasileira. Da mesma maneira, tente imaginar a identidade do Estado e município onde mora. Faça uma comparação com outros entes federativos. E pense na questão: os governos do Estado e do país correspondem efetivamente à dimensão dos territórios que governam?
Escolhamos, a título de melhor associação de ideias, o governo Bolsonaro. Sem intenção de diminuir seu peso na balança da análise política, cresce a percepção de que a identidade do governo é baixa em relação à altura do Brasil. É como se o país medisse um metro de altura e a administração Bolsonaro apenas cinquenta centímetros. Conclusão: falta muito governo para cobrir o real tamanho do nosso território continental.
O que causa tal sentimento? Vamos lá: a crise interna entre grupos, a ideologização que gera conflitos, o despreparo de perfis, a extrema relevância que se dá ao guru da família Bolsonaro e até mesmo o baixo nível na linguagem usada por protagonistas. Eis o que disse durante a semana a ministra dos Direitos Humanos: "a Funai tem de ficar com mamãe Damares, não com papai Moro". Assim a titular da pasta de Direitos Humanos fez apelo para conservar sob sua órbita a Fundação Nacional do Índio. Já o horoscopista elogiado pelo presidente e agraciado com o maior galardão do Itamaraty é o recordista no uso de palavras chulas.
Ora, há uma liturgia do poder, que obriga participantes da esfera governamental a adotar posturas condizentes com o cargo, o que inclui o uso de expressão conveniente. O que se constata é a "infantilização" da linguagem (essa de Damares) ou os adjetivos sacados do pântano por figuras que posam de heróis. O próprio Bolsonaro faz afirmações que fogem à régua da liturgia presidencial.
A sensação de um governo menor deriva também do fato de se fazer trocas (ou criação) de áreas – Coaf da Justiça para a Economia, Funai em negociação, política industrial saindo da Economia para Ministério da Tecnologia, renascimento de ministérios – não por questões de escopo técnico, mas por conveniências de natureza política. Diminuir poder de um e passar a outro. Onde está o tão propagado compromisso de evitar o "troca-troca", o "toma lá dá cá"?
Espraia-se a percepção de que a administração não é operada dentro de critérios técnicos. A taxa de improvisação é alta. Há ilhas de qualidade, como é o caso da equipe econômica comandada pelo ministro Paulo Guedes ou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, mas o arquipélago governamental é povoado de perfis sem densidade/experiência na área em que atuam.
Qual é, afinal, a coluna vertebral do governo? O barulho maior se dá em torno da reforma da Previdência. Mas a questão fiscal-tributária assola os Estados e não há indicações de saída para equilibrar os entes federativos. O improviso está no ar. A principal embaixada do Brasil no mundo, a dos Estados Unidos, não tem titular. O chanceler espera que um conselheiro seu amigo seja promovido a embaixador para nomeá-lo ao cargo.
O "índice de coisas estabanadas", que poderíamos designar doravante como ICE, tende a se expandir. E a esfacelar a identidade do governo Bolsonaro. Não à toa, forma-se em nossa cognição a ideia de que o Brasil tem um governo menor que sua grandeza exige.
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