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Porandubas Políticas 711

Hoje, a coluna está muito pretensiosa. Tentará explicar o fenômeno Brasil. O motivo: a razão pela qual os brasileiros tentam se desviar do manual de combate à epidemia. Arrisco-me a desvendar esse mistério, ou melhor, essa índole. Faça uma leitura, mesmo por cima. Antes, porém, notinhas de abertura.


Kit Covid-19

Bolsonaro insiste em defender a cloroquina. Hoje, foi a Chapecó, levando a tiracolo o ministro da Saúde, Queiroga. P.S. Chapecó está com 100% dos leitos hospitalares ocupados, segundo o Estadão. Os catarinenses usaram muito a cloroquina. SC é motivo de visitas constantes do presidente.


Empresariado

Bolsonaro participará, hoje à noite, de jantar na casa do empresário Washington Cinel, da área de segurança. Cerca de 20 empresários devem estar presentes. Sua Excelência faz esforço para atrair o empresariado, que se mostra desconfiado. Cinel recebe regularmente governantes e políticos e sua casa é uma espécie de consulado de articulação política.


Nunes Marques

O ministro Kassio Nunes Marques, recém-escolhido por Bolsonaro para integrar o STF, mostra-se a cada dia afinado com o bolsonarismo. A liberação de cultos e missas nesse momento da pandemia é um soco na cara da sociedade. O dízimo, o dízimo, o dízimo, gritam os pastores. Silas Malafaia e Edir Macedo agradecem. O voto de Gilmar, proibindo os eventos em liminar para julgar decretos do governo de São Paulo, jogou a questão em plenário.


Lula seria vice?

Ciro Gomes pede a Lula que seja mais humilde e aceite dar um passo atrás. E mostra o caso da Argentina, onde Christina Kirchner entrou como vice na chapa de Alberto Fernandez. Lula como vice? O PT no bastidor: nem a pau, Juvenal.


5 mil

A continuar o país com medidas meia-boca para combater a pandemia, chegaremos em julho com o índice de cinco mil mortos por dia.


Covas distante de Doria?

Bruno Covas tenta estabelecer cronograma de vacinação diferente do esquema organizado pelo governador João Doria, em São Paulo. Prefeito e governador parecem estar de birra. Mas sempre voltam às boas.


Análise do fenômeno Brasil

Crise de liderança

A crise política, que se arrasta há décadas no país, decorre de nossa precária institucionalização. Não temos instituições sólidas, fincadas com firmeza no território, eis que nosso sistema democrático vive altos e baixos, intermediando tempos de autoritarismo com tempos de liberdade. Que lideranças novas podemos contar cenário? Os que sobraram são extensões dos tempos do golpe de 64, com destaque para Luiz Inácio, ainda gozando algum prestígio junto às massas. Fernando Henrique é um schollar, José Serra é um perfil forjado nas lides universitárias. Ciro Gomes teve vida na antiga Arena, João Doria é protagonista da atualidade. A crise de liderança no país está por trás de nossas mazelas.


Sísifo e o eterno retorno

O Brasil se parece com Sísifo. Como é sabido, em decorrência dos pecados que cometeu, os deuses aplicaram em Sísifo, que foi rei em Corinto, um castigo para jamais ser esquecido: carregar uma imensa pedra sobre os ombros até o cume da montanha. Tarefa que jamais conseguiria completar. Prestes a cumprir a missão, a pedra resvala dos ombros e rola ao sopé da montanha. Exercício que Sísifo repetirá por toda a eternidade. O Brasil tem semelhança com a execrável figura. A metáfora aponta para as mazelas que herdamos do nosso berço civilizatório, condenando-nos ao eterno retorno. Quando achamos que a coisa vai dar certo, tudo vai por água abaixo, e temos de recomeçar o que foi construído com sacrifício.


As coisas não dão certo

Para melhor compreensão de nossa vivência nesses tempos da Covid-19, relembro a historinha que diz haver quatro tipos de sociedade no mundo. A primeira é a inglesa, a mais civilizada, onde tudo é permitido, salvo o que é proibido. A segunda é a alemã, sob rígidos controles, onde tudo é proibido, salvo o que é permitido. A terceira é a totalitária, pertinente às ditaduras, na qual tudo é proibido, mesmo o que é permitido. E, coroando a tipologia, a sociedade brasileira, onde tudo é permitido, mesmo o que é proibido. Como se explica o fato de o Brasil ser um país tão caricatura? Por quê, sob lockdown e mil recomendações sobre os cuidados que devemos ter, os jovens se juntam em festas de arromba no fim de semana?


Nosso jeito de ser

A explicação pode ser encontrada na composição do ethos nacional. A engenharia social brasileira, assentada sobre a miscigenação de raças (colonizadores portugueses, índios e negros), expressa heterogênea coleção de valores. Conservamos, porém, uma unidade étnica básica, apesar da confluência de variados matizes formadores, que poderiam, na visão de Darcy Ribeiro, resultar numa sociedade multiétnica, "dilacerada pela oposição de componentes diferenciados e imiscíveis". Complementa o nosso famoso antropólogo e ex-senador em seu livro "O Povo Brasileiro": "Mais que uma simples etnia, porém, o Brasil é uma etnia nacional, um Povo-Nação, assentado num território próprio e enquadrado dentro de um mesmo Estado para nele viver seu destino. Somos o contrário da Espanha, na Europa, ou da Guatemala, na América, por exemplo, que são sociedades multiétnicas regidas por Estados unitários".


O homo brasiliensis

A adjetivação para qualificar o homo brasiliensis é vasta e, frequentemente, dicotômica: cordial, alegre, trabalhador, preguiçoso, verdadeiro, desconfiado, improvisado. Afonso Celso, em "Porque me Ufano do meu País", divide as características psicológicas do brasileiro entre positivas e negativas, dentre elas a independência, a hospitalidade, a afeição à paz, caridade, acessibilidade, tolerância, falta de iniciativa, falta de decisão, falta de firmeza, pouco diligente. Gilberto Freyre, em "Casa Grande & Senzala", pontifica: "Considerada de modo geral, a formação brasileira tem sido, na verdade, um processo de equilíbrio de antagonismos. Antagonismos de economia e de cultura. A cultura europeia e a indígena. A europeia e a africana. A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O bacharel e o analfabeto. Mas predominando sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo".


O primeiro mito

Três mitos formam o pano de fundo sobre o qual se teceu nosso tecido valorativo. Primeiro, o mito do Éden. Ao aportarem, os nossos colonizadores se depararam com a exuberância da natureza e seus habitantes, rudes e inocentes, índios sem vestes, uma paisagem deslumbrante, o jardim do paraíso, tão bem emoldurados por Sérgio Buarque de Holanda, no clássico Visão do Paraíso, ao mostrar a atmosfera mágica que as novas descobertas proporcionaram ao europeu: "o enlevo ante a vegetação sempre muito verde, o colorido, a variedade e estranheza da fauna, a bondade dos ares, a simplicidade e inocências das gentes", como, aliás, já escrevera Pero Vaz de Caminha. Sob essa primeira visão, a seara valorativa produziu seus primeiros frutos: o ócio, a indolência, a sensualidade, a voluptuosidade, a glutonaria, a improvisação, a festa, a dança, o eterno carnaval.


O segundo mito

O segundo mito abriga o Eldorado. As riquezas apareciam ao longo das descobertas do ouro e das pedras preciosas. Na esteira da exploração predatória, outro conjunto de valores tomou corpo: a cobiça, a ganância, a traição, a destruição da natureza, a ambição, a disputa, a guerra entre grupos, os conflitos.


O terceiro mito

O inferno verde é o terceiro mito. A cobiça levou os colonizadores ao interior profundo. A floresta despontava como ambiente inóspito, selvagem, agressivo. As doenças debilitaram corpos, fustigando as mentes. Claude Lévi-Strauss, em seu celebrado Tristes Trópicos, radiografava o Brasil como o lugar mais inabitável do planeta, onde seria impossível a um homem sobreviver. Na paisagem da conquista do interior do país, outro feixe de características aparece: a miséria, a desorganização, a improvisação, a sujeira, a marginalidade, o desleixo.


A dubiedade

Ao lado dos três mitos, outros conjuntos valorativos surgiam, frutos da miscigenação. Quem não conhece o perfil individualista e de grandeza do brasileiro? "Você sabe com quem está falando?". E a nossa propensão para a imprecisão, para a ausência de objetividade? "Quantas horas você trabalha por semana?". Eis a previsível resposta: "trabalho mais ou menos 40 horas". O mais ou menos é coisa muito nossa. O fingimento é outro traço. O político, ao cumprimentar o interlocutor, pisca para alguém que está ao lado. Quem não já se defrontou com a expressão catastrofista ou o complexo de grandeza, comuns em nossa interlocução diária? Somos os melhores e os piores do mundo em matéria disso e daquilo; temos os maiores potenciais, as maiores riquezas ou a mais degradante miséria. Não somos um povo do imediatismo. Mas treinados na arte da protelação.


Traços de anarquia

Cultivamos a semente da anarquia. Ou, como bem o diz Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil: "os elementos anárquicos sempre frutificaram aqui facilmente, com a cumplicidade ou a indolência displicente das instituições e costumes. As iniciativas, mesmo quando construtivas, foram continuamente no sentido de separar os homens, não de os unir". Gostamos de adiar atos e decisões. Apreciamos o apadrinhamento, o patrocínio dos favores, o ludismo. Somos o país do futebol. E um vulcão de explosões emotivas. Trocamos com facilidade o riso pelo choro. Na festa de arromba, costuma-se haver balbúrdia, briga.


A árvore do patrimonialismo

Para agravar, herdamos valores que plasmaram nosso caráter. A fonte inicial é o patrimonialismo, que alimenta o fisiologismo, mazela central do nosso sistema político, o qual remonta aos primórdios de nossa história. Diz-se, em tom de piada, que o primeiro índio a receber espelhos de Pedro Álvares Cabral, em 1500, na Bahia, emprestou o DNA às tribos políticas festejadas, hoje, com "pacotes mais substantivos" do Palácio do Planalto. Quem duvida que os presentinhos do início da colonização estejam na origem do troca-troca de hoje, apoios e benefícios, convênios entre Ministérios e organizações não governamentais?


Capitanias

Quando Dom João III dividiu o Brasil em 15 capitanias hereditárias, em 1534, semeava a cultura patrimonialista. Hoje, semente que se espalhou pelo território. A semente patrimonialista resultou na mistura entre o público e o privado, gerando os "ismos" (caciquismo, mandonismo, paternalismo, nepotismo, familismo, grupismo), que invadem a esfera política. Não há como deixar de registrar as profundas marcas deixadas pelo sistema de colonização do país, a partir do feudalismo indígena, gerado espontaneamente, segundo a expressão de Raymundo Faoro, em Os Donos do Poder, pela conjunção das mesmas circunstâncias que produziram o europeu. "Feudalismo renascido na América, renovação da velha árvore multissecular portuguesa. O quadro teórico daria consistência, conteúdo e inteligência ao mundo nostálgico de colonos e senhores de engenho, opulentos, arbitrários, desdenhosos da burocracia com a palavra desafiadora à flor dos lábios, rodeados de vassalos prontos a obedecer-lhes ao grito de rebeldia. Senhores de terras e senhores de homens, altivos, independentes, atrevidos - redivivas imagens dos barões antigos".


As tetas do Estado

Sob essa "herança maldita", descortina-se a fonte de egocentrismo, que se impregna nas instâncias da Federação. Temas transcendentais, como reestruturação produtiva da economia, reestruturação do Estado, inovações tecnológicas, relações de trabalho, segurança pública, pobreza e desigualdade social e até programas sociais acabam contaminados por visões personalistas, corporativistas, circunstanciais e eleitoreiras. Vejam-se os programas assistencialistas, como Bolsa Família, Auxílio Emergencial etc. Vão se perpetuar. Aqui, o maná cai do céu. Milhões esperam mamar nas tetas do Estado.


Estadania, a inversão da lógica de Marshall

Analisemos nossa modelagem política. José Murilo de Carvalho observa que, entre nós, a cultura do Estado prevalece sobre a cultura da sociedade. Os direitos políticos apareceram antes dos direitos sociais, gerando uma sobrevalorização do Estado. Ou seja, houve uma inversão da lógica descrita por Thomas Marshall, em Cidadania, Classe Social e Status. As nações democráticas, a partir da Inglaterra, implantaram, primeiro, as liberdades civis, a seguir, os direitos políticos e, por último, os direitos sociais. Por aqui, o Poder Executivo, operando as ações públicas, aparece como a salvaguarda das 'benesses'. Direitos são vistos como concessões, e não como prerrogativas da sociedade, criando uma 'estadania' que sufoca a cidadania. Tudo depende do Estado. Um processo de tutela amortece o ânimo social, dificultando sua emancipação política. Não por acaso, critica-se a força avassaladora do nosso presidencialismo de cunho imperial.


Centrão, centrinho e otras cositas

Não a toa, o nosso presidencialismo de coalizão agasalha muito bem os grupamentos que se formam na área parlamentar. Centrão, com sua bocarra, abocanha nacos de poder. E há centrinhos, aqui e ali, pegando as sobras. Sem estes grupamentos, é difícil governar. Para uns, impossível. A governabilidade é, assim, uma biruta de aeroporto, que muda de posição conforme o vento.


Pergunta

Deu para entender alguma coisa sobre o homo brasiliensis?

Um pouco de humor.


5 minutos de silêncio

A onda de um minuto de silêncio faz parte da liturgia do poder. Surfam nessa onda políticos de todos os espectros. Vereador, então, usa a onda para capturar todos os votos da família do morto. Vejam este caso que ocorreu na Vila São José, bairro periférico de Macaíba/RN. O ex-vereador e candidato Moacir Gomes, ao usar a palavra, inicia a oração rogando aos assistentes do comício um minuto de silêncio pelo falecimento de um morador do bairro. Seu assessor e cabo eleitoral, ao lado, pensando no tamanho da família do falecido, sopra no ouvido de Moacir:


- Um minuto é pouco. Peça cinco. Tem muito voto lá!

(Historinha de Valério Mesquita, ótimo contador de causos)

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